Em 04/06/2018, o presidente Trump tuitou que teria o “absoluto direito de perdoar a si mesmo”. Nos últimos atuais turbulentos dias de sua presidência, parcela da imprensa, como o New York Times, tem informado que Trump está, de fato, cogitando autoperdoar-se.
Nos EUA, segundo sua Constituição (Artigo 2°, Seção 2), o presidente tem o poder de conceder perdão por “ofensas contra os Estados Unidos”. Noutras palavras, trata-se de perdão por crimes federais. Também a Constituição brasileira prevê semelhante instituto, entre nós denominado graça ou indulto individual, cuja atribuição para concessão também é do presidente da República (artigo 84, XII), sendo sua regulação estabelecida pela Lei de Execuções Penais nos artigos 187 e seguintes.
Embora discutível, nos EUA o perdão pode até mesmo ser concedido antes de quaisquer procedimentos penais, como ocorreu no caso do perdão concedido pelo presidente Gerald Ford a Nixon (Ford era vice de Nixon, assumindo a presidência após sua renúncia). Estaria aí o molde de que se valeria Trump.
Um presidente conceder-se perdão presidencial é algo que, até Trump, nunca nem mesmo se cogitou da possibilidade.
Além de vergonhosa, é tormentosa a mera consideração sobre se seria lícita a concessão de autoperdão presidencial, tamanho o disparate da ideia. É inimaginável que, em Estados de Direito com longa tradição democrática, seja possível que o chefe de governo exclua sua responsabilidade penal por sua própria e bel vontade. A nenhum presidente jamais se pensou em outorgar uma carta branca para o cometimento de atos criminosos durante os quatro anos de presidência, de utilização ao final do mandato.
Embora não seja preocupação de Trump, seria o desvirtuamento total do instituto do perdão, que, modernamente, tem sua concessão vinculada a razões humanitárias ou compensatórias. Digo que não seria preocupação de Trump porque, dos 94 perdões que concedeu, 89% eram a favor de pessoas que tinham laços com ele, atendendo a seus objetivos pessoais e políticos, conforme expôs o professor de Harvard Jack Goldsmith em estudo.
Embora ilícita e vergonhosa a autoconcessão de perdão, que visaria a blindá-lo perante a Justiça Federal estadunidense, sua ocorrência não seria de todo ruim, pois que, para tanto, Trump deveria assumir responsabilidade penal pelos crimes que seriam perdoados, que haveriam de ser todos discriminados. Aprenderíamos muito. E eventual arguição feita por Trump e seus asseclas de que o autoperdão seria uma forma de livrá-lo de perseguições seria uma contradição em si mesma, uma vez que viria acompanhada de uma lista de crimes confessados.
De toda forma, mesmo que se reconheça a validade de um autoperdão presidencial, talvez isso ainda não seja suficiente para Trump, pois que o autoperdão não o livraria da responsabilização pelo eventual cometimento de crimes sujeitos a jurisdições estaduais, possibilidade já em curso em Nova York, onde é investigado pela prática de crimes financeiros.
A concessão de autoperdão, de Trump para Trump, representaria a tentativa de obtenção de uma imunidade penal total perante a Justiça Federal estadunidense, equivalente ao retorno da lógica da completa irresponsabilidade do chefe de governo, vigente no absolutismo ou em regimes autoritários/totalitários, que têm no seu líder a encampação máxima de todas as virtudes (por vezes de origem divina), razão por que, para defensores dessa retrógrada forma de pensar, seus líderes jamais cometeriam (ou mesmo poderiam cometer) qualquer ilicitude. De fato, apenas autocratas e déspotas valem-se de ilimitada irresponsabilidade, nunca detentores de poder em uma democracia, onde por tudo devem se responsabilizar, pilar básico sobre que se erige um Estado de Direito.
Categorias:Constituição, direito penal, política, processo penal, segurança pública
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