Ontem (06/01/2020), como todos vimos ao redor do planeta, uma turba invadiu o Capitólio nos EUA, insuflada por um presidente que se apoia em grupos abertamente contrários à democracia e aos direitos fundamentais. Pude facilmente observar nas imagens a presença de perigosos e exóticos defensores de teorias delirantes conspiratórias (como os adeptos do QAnon), neonazistas (havia um que, inclusive, portava uma camiseta de Auschwitz – foto acima), fanáticos religiosos, paramilitares, extremistas racistas e puristas da raça ariana. Um caldeirão de recalcados e lunáticos, todos reunidos para a imposição da mentirosa afirmação de fraude nas eleições presidenciais de novembro de 2020, propagandeada de forma irresponsável pelo próprio presidente e seus asseclas, jamais comprovada em qualquer lugar (seja perante os órgãos administrativos e legislativos, seja perante o Poder Judiciário). A tomada do Congresso constitui-se em mais um símbolo do pensamento autoritário/totalitário que ronda o mundo, que não apenas no plano do discurso, mas também no plano fático quer-se impor.
O que fazer com um presidente que se acerca de uma turba composta por tão abjetas figuras, insuflando-as sempre para mais e mais concretizarem o que pensam?
No plano do direito estadunidense, pelo menos três opções institucionais claramente se apresentam para a retirada de um presidente que orquestra delírios paranoicos: a primeira, a melhor de todas, a via eleitoral (que foi o que ocorreu nos EUA); a segunda, a via do impeachment e do removal (Trump sofreu impeachment pela Câmara, apenas não foi removido da presidência, vencendo com sua maioria parlamentar no Senado); a terceira, a via da remoção compulsória por incapacidade, quando o presidente está unable to discharge the powers and duties of his office (incapaz de exercer os poderes e cumprir os deveres de seu cargo), que se apoia na Seção 4 da 25ª Emenda, ratificada em 1967, procedimento este que se opera, inicialmente, no próprio âmbito do Poder Executivo.
Ontem (como noutras vezes da presidência de Trump), houve muitos defensores da aplicação da Seção 4 acima referida em vista de sua apregoada incapacidade: ninguém, em sua sã consciência, poderia se acolherar com tais grupos de ódio. Contudo, é pouco provável que algo seja levado a efeito nesse sentido, até porque em 13 dias Trump deixará o cargo.
No Brasil, na linha do previsto na 25ª Emenda, teríamos alguma saída institucional de remoção compulsória do presidente em caso de incapacidade para o exercício dos poderes e cumprimento dos deveres de seu cargo baseado em alegação, por exemplo, de transtorno delirante (CID 10 – F22), sociopatia (CID 10 – F60.2) ou personalidade paranóica (CID 10 – F60.0) ?
No plano constitucional, lamentavelmente não temos nenhuma previsão que nos permita caminhar pela trilha da 25ª Emenda, cabendo lançarmos mão do que nos restaria: uma ação de interdição a ser proposta pelo Ministério Público (artigo 747, IV, do CPC), algo de difícil operacionalidade diante das consequências institucionais decorrentes.
Não estamos e nunca estaremos a salvo de que venhamos a ter um presidente que possa apresentar transtorno delirante, sociopatia ou personalidade paranóica, aliando-se a grupos de ódio. Hitler, na Alemanha, é um gritante exemplo acerca dos riscos dessa terrível união.
Que saibamos sempre utilizar a principal e mais adequada via para impedirmos que representantes de grupos ódio cheguem ao poder entre nós: o voto consciente, baseado nas premissas da cidadania e do respeito à Constituição, que não admite (antes abomina) teorias conspiratórias, delirantes, violentas, totalitárias e autoritárias.
Que o que houve, ontem, no Capitólio, jamais ocorra entre nós.
Categorias:Constituição, direitos humanos, política, segurança pública
Deixe um comentário