DEBATES E SENTENÇA em AUDIÊNCIA: OS DESAFIOS DA ORALIDADE

julgamento penalA Lei 11.719/2008 alterou o procedimento ordinário então em vigor, que previa, necessariamente, três audiências, mais a apresentação de alegações finais escritas e de sentença escrita. E, também, alterou o antigo procedimento sumário (que também era composto por três audiências, mas permitia a concentração de debates e julgamento). Ou seja, foi-se de 03 audiência como regra para a possibilidade de realização de apenas uma.

Assim, a mera previsão da audiência de instrução e julgamento já representa, independentemente da adoção da oralidade em toda sua extensão, em considerável economia processual e de tempo, aglutinando atos. A reforma, assim, objetivamente agregou celeridade

Pela configuração legal, a concentração, imediatidade e oralidade passaram a ser os marcos da audiência, agora una, de instrução e julgamento. Dessa maneira, alegações escritas e sentença escrita seriam exceção, prevista no procedimento ordinário para situações em que se afigurasse complexidade da causa

Há muitas vantagens com a prolação de sentenças orais:

1) Embora não ínsita à adoção da oralidade, a possibilidade de prolação de sentença em audiência exige uma análise detida do caso, do que decorre uma melhor instrução por parte do Juiz. MELHORA A QUALIDADE DA INSTRUÇÃO. Por consequência, também, pelo menos teoricamente, exige-se uma maior preparação dos demais atores para a audiência.

2) Compreensão realística da prova colhida em audiência. A compreensão dos depoimentos deixa de ser uma interpretação de textos, enfrentando-se a crise da superestimação dos textos.

3) Há uma exigência de melhor avaliação da prova frente a condutas omissivas, hesitativas e mentirosas, apostando-se na capacidade de compreensão global do testemunho.

4) Devolução da resolução do processo a seus protagonistas, sem intermediações e sem delegações.

5) Simplificação, com redução significativa de aspectos secundários que, propriamente, não são definitivos para a resolução do caso; ornamentos que tomam tempo (citações doutrinárias e jurisprudenciais de relevância não significativas, por exemplo).

6) Publicidade imediata do debate penal e da construção da decisão.

7) Diminuição do trabalho cartorário, com subseqüente redução do prazo de tramitação do processo.

8) Possibilidade de, pela exposição ao vivo, as partes chamar melhor a atenção do julgador para aspectos tidos como fundamentais no caso concreto.

Há, contudo, diversas desvantagens, que, na prática, tornam o que seria exceção (a prolação de sentença em gabinete)  a regra. O próprio conceito de complexidade da causa,  autorizador da sentença em gabinete, é aberto e subjetivo, a depender do grau de preparação prévio dedicado à audiência de instrução e julgamento. Na realidade, não existem parâmetros objetivos para a definição dos processos que, necessariamente,  deveriam ser julgados em audiência. 

É considerável a força dos argumentos que desestimulam a prolação de sentença oral:

1) Dificuldades culturais para a prolação de sentença oral, com mais de 65 anos de prevalência de sentenças escritas.

2) Embora o legislador e a doutrina tratem do processo penal de forma minudente, desenvolvendo-o em detalhes e de modo individual, pouco cuidam dele em sua ótica coletiva: uma país de 100 milhões de processos. Há uma desconsideração do fenômeno processual em sua dimensão total, exigindo dos Juízes para todos e cada um dos processos uma atuação próxima a de Hércules, na figura bem descrita por Dworkin em seu livro o Império do Direito. Não há, nesse universo de tão altas expectativas e pouquíssimo tempo, qualquer estímulo à prolação de sentenças orais, que exigem sobremaneira preparação do Magistrado.

3) Também há dificuldades de atingimento às exigências técnicas de uma sentença penal, que decorrem não propriamente da base da pirâmide, mas de seu ápice: o STF, STJ e Tribunais de Apelação dão a tônica de como o 1º grau deve julgar os processos, tônica esta que tem a exaustividade, e não à concisão, como regra.

4) Há dificuldades de se lidar com a imperfeição típica da oralidade, em que existem problemas de construção nas orações, por exemplo. Em meio a tantas exigências, passa a ser uma atitude heroica enfrentar as imperfeições típicas da comunicação oral e tê-la como meio para o decidir.

5) Receios a exposições de caráter pessoal em casos de condenação (a escrita enquanto meio de proteção e impessoalização). Na sentença oral, a personalização dá-se em cada palavra proferida; na sentença escrita, na assinatura.

6) Paradoxo tempo/simplicidade: se o processo permite sentença proferida oralmente, haveria, teoricamente, então, possibilidade de delegação. Logo, o tempo para ouvir os debates, prolatar sentença e, especialmente, estudar o caso, poderia ser utilizado pelo Juiz para os casos complexos.

7) O prolator da sentença oral naturalmente terá certas dificuldades de memorização da prova colhida durante a audiência e de refletir sobre suas possibilidades.

A ORALIDADE, inicialmente prevista pela reforma para ser a REGRA,  CONTINUOU A SER, em face das dificuldades sentidas, EXCEÇÃO para a prolação de sentenças penais.

Precisamos alterar, portanto, esse quadro, em que simplesmente viramos as costas às exigências legais (às vezes mais parece, em realidade, que as exigências legais é que viram as costas à realidade forense). Precisaremos, evidentemente, de alterações legais. Penso que:

1) a oralidade não poderia ser o eixo do sistema de manifestação final das partes e de prolação de sentença; nunca foi e continuará a não ser.

2) a oralidade jamais poderia ser tida como regra para a resolução dos processos penais penais, mas direcionada a casos que a comportem, mediante ponderação concreta das vantagens e das desvantagens de se seguir para debates e julgamento em audiência; deve-se dar o afastamento da oralidade dos debates e do julgamento quando estes redundarem em uma exclusão ou em lesão ao direito das partes ou em um obstáculo para uma decisão adequada à situação; é preciso resguardarem-se o ADEQUADO EXERCÍCIO DE DIREITOS e CONDIÇÕES OBJETIVAS DE BEM SENTENCIAR (segurança).

3) precisamos aprofundar e mudar nossa experiência com a oralidade, desenvolvendo uma intensa cooperação das partes com a atividade judicial. Dessa forma, dever-se-ia conceder ao juiz a possibilidade de valer-se dos debates para obter esclarecimentos, aproveitando o “intercâmbio de discursos”, próprios da comunicação oral. Oralidade não pode ser uma via unilateral, em que as partes fazem solilóquios; a oralidade deve permitir é o diálogo.

 



Categorias:processo penal

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2 respostas

  1. Excelente a reflexão. Mas eu acho que em um mundo cada vez mais dinâmico e digital, prender-se a ritos e dogmas na construção de uma sentença invalida a essencial e necessária prestação jurisdicional. Isso porque uma decisão tardia, em qualquer campo do direito, muitas vezes gera injustiça.
    Nesses dias urgentes, a oralidade, e seu divórcio de ritos e dogmas, sua espontaneidade, pode ser a grande saída para a eficiência e eficácia do julgamento. Talvez se devesse definir a prevalência da oralidade, tornando a sentença escrita uma exceção.

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    • Prezada Ana, concordo que deveríamos caminhar rumo à simplificação, concentração, imediatidade, oralidade no campo processual penal também. Todavia, conforme no post alinhei, são substanciais as dificuldades para tanto, sendo a palavra escrita (e suas exigências) de prevalência histórica em nossa tradição luso-brasileira, havendo, no processo penal, em suas instâncias recursais, ainda e em especial, severo escrutínio sobre o trabalho sentencial, amplamente desestimulador da prolação oral de sentenças. Muitíssimo obrigado por tua leitura e diálogo.

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