TERCEIRA FASE DA EXECUÇÃO
Na terceira fase da execução, que vai de 2006 a 2009, foram adotadas fundamentais estratégias e ações para a recuperação ambiental.
Criação de modelo para a elaboração dos projetos de recuperação das áreas degradadas
Padronizou-se a elaboração dos projetos de recuperação de áreas degradadas (PRADs), utilizando-se o modelo sugerido pelo Ministério Público Federal, o qual se alicerçava no Decreto-Lei 97.632/89, nas Resoluções CONAMA 001/86 e 009/90, na NBR 13030, na NRM-01 (Normas Gerais) e na NRM-21 (Reabilitação de Áreas Pesquisadas, Mineradas e Impactadas) da Portaria do DNPM nº 237/2001. Essa padronização foi vital para o cumprimento da decisão judicial, pois se passou a exigir de todas as rés o atendimento a diversos requisitos que, de fato, fariam do projeto, que abarcava 68 áreas degradadas, algo executável, ao contrário do que ocorria com os projetos até então apresentados pelas rés;
Criação do Grupo de Assessoramento Técnico do Juízo (GTA)
Criou-se o Grupo de Assessoramento Técnico do Juízo (GTA). Tal grupo representou uma positiva e bem arquitetada solução que muito contribuiu para o avanço e segurança das atividades de recuperação que se seguiriam, tendo, dentre outras, as seguintes atribuições:
i) integrar os dados de indicadores ambientais coletados por todos;
ii) elaborar relatórios técnicos periódicos, destinados ao Juízo e sujeitos à ampla divulgação, avaliando a evolução dos indicadores ambientais;
iii) propor ações tendentes à plena recuperação ambiental;
iv) propor seqüência de prioridades na execução de ações de recuperação;
v) propor alterações nos indicadores ambientais, quando entendê-las necessárias, e plano de monitoramento;
vi) responder tecnicamente a eventuais questionamentos do Juízo.
Tal grupo constituiu um inovador instrumento de autogestão, para a qual não só contava com representantes técnicos de todas as partes, mas também com a presença de pessoas externas ao processo e relevantes à questão ambiental; tratava-se de um grupo multipartite, composto por 19 instituições, que teria as importantes incumbências de propor estratégias, métodos, formas técnicas de recuperação ambiental, tratando dos mais diversos temas da geologia, biologia, engenharias, química.
As decisões do GTA não seriam tomadas por votação, e sim por consenso; se houvesse uma posição minoritária, esta seria destacada para futura decisão judicial, uma vez estabelecido o contraditório. Se não houvesse qualquer divergência interna no GTA, estando, portanto, todas as partes de acordo com suas proposições, ao Juízo caberia homologá-las, e passariam a ser vinculantes, do que decorreria não só o estabelecimento de caminhos seguros para a recuperação ambiental, mas também o evitamento de uma série de discussões judiciais sujeitas a infindáveis recursos. Ou seja, com o GTA pacificava-se a execução da demanda no que concerne aos aspectos técnicos das recuperações ambientais devidas. De fato, com o GTA houve uma diminuição da litigiosidade, com a conseqüente considerável redução de recursos.
Assim, criou-se uma câmara técnica dentro da ACP do Carvão, representativa de todos os envolvidos, que passaram a dialogar sobre múltiplos temas técnicos, chegando, na experiência que se teve, a soluções consensuais em praticamente todos os grandes assuntos submetidos a debates. O GTA, de fato, constituiu e constitui a base sobre a qual se desenvolveu uma grande aproximação das partes para o diálogo, que passou a ser cada vez mais freqüente em todos os aspectos da demanda.
Reconhecimento da necessidade de monitoramento ambiental da região
Reconheceu-se a necessidade de um monitoramento ambiental da região; pelo Juízo, então, foi homologada a Proposta de indicadores ambientais e plano de monitoramento para as áreas degradadas pela mineração de carvão no Estado de Santa Catarina, que seria base para um amplo relatório técnico que seria composto de um plano de monitoramento para os recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, de um plano de monitoramento da biota e da cobertura do solo e de um plano de monitoramento das bocas de mina abandonadas. Em resumo, pela primeira vez passava-se a ter, digamos, um “termômetro” confiável sobre a situação de poluição da região no que concerne à degradação gerada pela exploração de carvão; agora, podia-se “medir” e aquilatar se as obras de recuperação que seriam levadas à frente, de fato, diminuiriam a severa poluição regional especificamente produzida pela mineração do carvão.
A confecção dos relatórios decorrentes do amplo monitoramento ambiental ficou a cargo do GTA. E, desde 2006, já foram confeccionados 08 amplos relatórios de monitoramento dos indicadores ambientais, que podem ser, na íntegra, conferidos no site www.jfsc.jus.br/acpdocarvao.
Construção de banco de dados público
O plano de monitoramento, que repercutiria na elaboração de relatórios anuais sobre a situação da região carbonífera, trazia ainda outros efeitos muito salutares no que tange à publicidade da recuperação ambiental: haveria a construção de um banco de dados público, que seria mantido com transparência, no que se permitiria à sociedade um acompanhamento do que se estava a fazer; passaria, também, a haver audiências públicas nas quais se daria uma prestação de contas sobre a situação ambiental da região, sobre as recuperações em curso, sobre a atuação do Poder Judiciário e do Ministério Público Federal.
Já houve 09 audiências públicas, nas quais se visava e se visa a permitir ampla participação da sociedade. Aliás, a própria divulgação das audiências públicas mostrou-se algo positivo, trazendo para o conhecimento da sociedade importantes informações sobre o que se estava fazendo e o que se está fazendo no âmbito da ACP do Carvão, ocupando-se espaço na mídia. Outrossim, durante as audiências públicas, a todos permitiu-se fazer uso da palavra, sendo que a pertinência e importância de muitos questionamentos contribuíram para melhorar as estratégias e os trabalhos de recuperação ambiental.
Todas as atas das audiências públicas, que resumem os debates, podem ser conferidas no seguinte endereço eletrônico aqui.
Definição dos critérios técnicos para a recuperação e para a reabilitação das áreas degradadas
Definiram-se, no âmbito do GTA, os critérios técnicos para a recuperação e para a reabilitação das áreas degradadas.
Trata-se de um marco na execução em curso, já que, pela primeira vez, passou-se a ter critérios gerais objetivos sobre como, efetivamente, as obras de recuperação ambiental deveriam ser realizadas, o que trouxe segurança às partes e ao próprio desenvolvimento da execução.
Não apenas os PRADs haveriam de se submeter a requisitos necessários, mas também deveriam seguir materialmente os critérios técnicos judicialmente homologados, que balizariam também a recuperação/reabilitação das áreas e seus monitoramentos seguintes. Os critérios técnicos, que foram construídos consensualmente, já passaram por quatro revisões. O texto, atualmente, versa sobre os seguintes tópicos:
i) traz os conceitos fundamentais adotados na execução (conceitos de área degradada, recuperação ambiental, reabilitação ambiental, uso futuro);
ii) define como será realizado o procedimento de elaboração e licenciamento dos PRADs, os quais devem atender aos critérios técnicos homologados judicialmente;
iii) define como se dará a recuperação das áreas de preservação permanente (APPs), destacando aspectos atinentes à recomposição topográfica, reconstrução do solo, cobertura vegetal, conformação de taludes, sistemas de drenagens, controle de erosão, monitoramento dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, monitoramento, manejo e manutenção da vegetação;
iv) da mesma forma, define como se dará a reabilitação das demais áreas degradadas, disciplinando temas referentes ao uso futuro da área, à reserva legal, à remoção ou cobertura dos rejeitos e/ou estéreis, reconstituição topográfica, reconstrução do solo, implantação de culturas agrícolas e/ou manejo florestal sustentável, pecuária, conformação dos taludes, sistemas de drenagens, controle de erosão, monitoramento dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, monitoramento, manejo e manutenção da vegetação;
v) trouxe, ademais, normas a respeito da recuperação das áreas mineradas em subsolo, sistematizando as ações de tamponamento conforme prioridades então estabelecidas, cuidando, ainda, sobre o dever de informação aos superficiários sobre a situação da área e sobre eventuais restrições ao uso de suas propriedades;
vi) além de já ser devida a inclusão de tópico nos PRADs, tendo como objeto um diagnóstico do meio socioeconômico ou antrópico (o PRAD padrão homologado pelo Juízo já continha determinação nesse sentido), os critérios homologados judicialmente trouxeram específica preocupação com os aspectos sociais das recuperações/reabilitações ambientais, pretendendo-se trazer a sociedade para os próprios procedimentos de recuperação ambiental, de modo a que pudesse acompanhá-los, sobre eles se manifestar e expor seus anseios e exigências, almejando-se, com isso, a obtenção de melhores resultados nas próprias atividades de recuperação, que também deveriam contemplar os anseios da comunidade no uso futuro da área;
vii) inseriu, também, capítulo disciplinando a participação do proprietário na definição do uso futuro da área em recuperação.
Tais critérios técnicos, surgidos em meio a Ação Civil Pública do Carvão, acabaram sendo adotados pelo órgão ambiental para o licenciamento de quaisquer PRADs referentes a áreas degradadas pela mineração do carvão; assim, a própria ACP do Carvão construiu o referencial técnico que passou a ser adotado administrativamente também.
Consequência das medidas adotadas: melhor colaboração do setor carbonífero com o Juízo e com o Ministério Público
As próprias carboníferas-rés, e o setor carbonífero como um todo, mudaram concretamente sua forma de relacionamento com a ACP do Carvão, passando a colaborar com o Juízo e com o Ministério Público Federal.
Diversos fatores podem ter contribuído para tanto:
i) os próprios técnicos do setor carbonífero tinham a dimensão do gravíssimo problema ambiental e passaram, dentro das limitações a que se encontravam submetidos, a trazer efetivas colaborações dentro e fora do GTA, a partir do que foi possível a construção de soluções consensuais técnicas;
ii) o empresariado viu como irreversível o dever de recuperação ambiental, especialmente após o julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça;
iii) razões de mercado geraram uma mudança de postura do setor, já que a compradora do carvão (a multinacional Tractebel) impôs padrões de respeito ambiental a toda a cadeia produtiva do carvão;
iv) as empresas mudaram gradativamente sua mentalidade, dispondo de corpos técnicos específicos para a área ambiental;
iv) os graves passivos ambientais deixados representavam até mesmo um entrave político a futuros leilões de energia, atingindo a credibilidade do setor.
Ministério Público: protagonista da execução
O Ministério Público Federal assumiu uma posição de verdadeiro protagonista da execução; passou a estar dotado de corpo técnico fixado em Criciúma, que foi de fundamental importância para assessorar a atuação do Procurador da República oficiante.
Outrossim, é devido ao Ministério Público Federal a adoção das estratégias fundamentais que permitiram dar rumo e efetividade à execução, muitas das quais por ele sugeridas e desenvolvidas. E, pela postura e pelo perfil do Procurador da República que veio a oficiar no feito desde 2005, amplos espaços de diálogos com todos os envolvidos no processo mostraram-se possíveis, abrindo-se possibilidades para conciliações, que passaram a ser comuns, o que contribuiu para a diminuição da litigiosidade intrínseca à execução.
O Ministério Público Federal, na linha do que vinha fazendo desde 2004, aprofundou sua estratégia de buscar o máximo de conhecimento sobre as questões técnicas envolvidas, vistoriando todas as áreas degradadas e fiscalizando os trabalhos de recuperação in loco, dialogando com técnicos do setor carbonífero, do DNPM, da FATMA.
Isto é, passou o Ministério Público Federal a produzir conhecimento, invertendo-se a equação anterior; antes, as empresas diziam o que estavam fazendo; agora, o Ministério Público Federal, de antemão sabendo o que ocorria, passava a exigir o que deveria ser feito.
Acordos para recuperação dos passivos ambientais referentes às áreas terrestres como regra
Firmaram-se acordos para a recuperação de grande parte dos passivos ambientais referentes às áreas terrestres com praticamente todas as rés (foram mais de 20 acordos), estabelecendo-se cronogramas para a conclusão das obras de recuperação.
De maneira complementar, houve, contudo, a necessidade de decisões judiciais. Tais imposições judiciais foram restritas a específicos pontos sobre os quais não houve a possibilidade de acordo. Isso se deu, por exemplo, na imposição judicial de cronogramas exclusivamente com relação a uma das mineradoras. Também foi necessária a imposição de responsabilidade pela recuperação de algumas áreas, tais como ocorreu com a complexa área degradada denominada Vila Funil, que tem 559 hectares e que se localiza ao noroeste do município de Siderópolis, cujo custo de recuperação foi orçado em mais de 85 milhões de reais. Todas tais decisões judiciais já se encontram preclusas.
Após os acordos e imposições judiciais, os passivos ambientais das áreas terrestres assim se encontram todos distribuídos com relação às empresas:
Responsável | Hectares |
CSN | 1.175,13 |
União | 1.012,61 |
Rio Deserto | 384,45 |
Catarinense | 511,41 |
Criciúma | 300,73 |
Cocalit | 182,42 |
Outras empresas | 1.185,9 |
As áreas terrestres a recuperar perfazem 5.084,65 hectares, estando distribuídas em 217 diferentes áreas nas mais diversas regiões da Bacia Carbonífera. Desse total:
4.434,83 hectares já se encontram nos cronogramas dos projetos de recuperação;
848,62 hectares encontram-se em pátios de operação das carboníferas; assim, a recuperação de tais áreas dá-se em conformidade com os critérios estabelecidos na Ação Civil Pública, porém, conforme prazos estabelecidos nas licenças ambientais;
888,29 hectares encontram-se em áreas já urbanizadas;
332 hectares ainda estão sem responsabilidade definida pela sua recuperação, vale dizer, 6%.
Como teto para a conclusão substancial das obras de recuperação, tomou-se o ano de 2020.
Do total dos passivos ambientais, que representam, pois, 5.084,65 hectares, os acordos, em especial, e as decisões judiciais, de forma excepcional e complementar, geraram a construção de cronogramas e concretas previsões de recuperação para 93,56% das áreas terrestres (vale dizer, 4.752,65 hectares).
A tabela em que podem ser conferidos todos os cronogramas acertados para cada uma das áreas em recuperação pode ser encontrada no seguinte endereço eletrônico aqui.
Como resumo dos cronogramas, a recuperação, ano a ano, abrangerá os seguintes montantes:
Ano de conclusão | Hectares (acumulado) | Percentual |
Até setembro de 2014 | 1.522 | 30% |
2014 | 1.831 | 36% |
2015 | 2.054 | 41% |
2016 | 2.748 | 54% |
2017 | 3.322 | 66% |
2018 | 3.361 | 66% |
2019 | 4.483 | 87% |
2020 | 4.403 | 87% |
2021 | 4.442 | 88% |
2022 | 4473 | 88% |
2023 | 4.503 | 89% |
2024 | 4.533 | 90% |
2025 | 4.566 | 90% |
2026 | 4.608 | 91% |
2027 | 4.644 | 92% |
2028 | 4.684 | 93% |
2029 | 4.733 | 94% |
Destaque-se que, com relação à União, embora fosse responsável solidária (portanto, também responsável pela recuperação de todo o passivo ambiental), reservou-se a exigência de ações próprias somente para aqueles casos em que não fosse viável, para os interesses ambientais, exigir de determinada mineradora a recuperação devida. Na prática, apenas se impôs à União o dever de recuperar áreas referentes a mineradoras que não mais existiam; no caso, áreas da antiga CBCA (CIA. BRASILEIRA CARBONIFERA DE ARARANGUA), que faliu, e da antiga TREVISO, que encerrou suas atividades há muitos anos sem deixar praticamente nenhum patrimônio conhecido.
Para a construção dos acordos de recuperação e dos cronogramas, adotou-se a estratégia de negociação direta entre o Ministério Público Federal e as carboníferas. Isso se mostrou adequado diante de múltiplas razões: a) as negociações envolveriam ampla discussão técnica preparatória, com vistorias de campo e análises a serem realizadas pelos técnicos do MPF e das empresas; b) apostava-se em uma negociação de caráter continuado e exauriente, ou seja, esperava-se que o processo de conclusão de cada acordo demandasse um próprio tempo de amadurecimento, não se mostrando prudente demarcar, por audiência, os prazos para encerramento das conversações; c) tendo em vista que o MPF também atuava na regulação da própria operação do setor carbonífero (atividades operacionais atuais de mineração das empresas), muitos temas além do próprio processo de execução também pesariam a favor da construção dos acordos; de fato, a fragilidade do setor carbonífero na adequação de suas operações às regulações ambientais exigia das empresas concretas assunções de responsabilidades diante de seus passivos, sob pena de perda total de credibilidade do setor em suas atividades comerciais atuais; d) o Procurador da República detinha grande respeito e credibilidade de todo o setor carbonífero, sendo um interlocutor ouvido e sempre tido como razoável; apresentava, ainda, características de negociação ímpares e um profundo conhecimento dos temas técnicos em jogo.
Assim, mostrava-se estrategicamente importante fosse estimulada e adotada a negociação direta entre as partes; esperava-se que houvesse uma redução da lide, que se permanecesse, restaria, então, demarcada a pontos específicos, sobre os quais haveria futura decisão judicial. Tal estratégia confirmou-se correta. Houve acordos de recuperação para enorme parcela das áreas terrestres, restando atuação judicial somente sobre os pontos controversos.
Cisão do processo visando a facilitar a execução
Tendo em vista a enorme quantidade de temas que passaram a ser simultaneamente tratados, diversos processos de execução específicos para cada uma das rés foram instaurados, deixando-se para o processo de execução principal (2000.72.04.003574-3) as discussões sobre temas gerais e comuns a todos.
QUARTA FASE DA EXECUÇÃO
Na quarta fase da execução, que vai de 2009 a 2012, continuaram a ser adotadas fundamentais estratégias para a recuperação ambiental, e passaram a ser empregadas diversas medidas executivas que permitiram a colheita de resultados concretos:
Atuação judicial expedita, desburocratizada e in loco
Alterou-se a rotina judicial, direcionando-a para a resolução mais expedita e menos burocrática possível dos múltiplos temas a serem analisados.
Assim, usou-se a estratégia “do gabinete para o mundo”, isso significando a adoção de uma postura judicial que primasse pelo contato direto com os técnicos que fariam as recuperações, pelo contato direto pessoal com as partes, pelo conhecimento in loco das áreas e das obras de recuperação, pela primazia da realização de audiências para a busca de consensos, pelo emprego da oralidade enquanto método de julgamento, pela primazia da aplicação de multas relacionadas a atrasos nas obras de recuperação in loco, após vistorias judiciais, pela realização de audiências e reuniões extraprocessuais de aproximação com as partes e com seus técnicos, de modo à obtenção de esclarecimentos e construção de soluções técnicas consensuais.
Ao todo, apenas pelo juiz que conduziu a execução, foram realizadas 24 inspeções judiciais, das quais em 10 houve a aplicação de multas por atrasos nas obras de recuperação. Em síntese, inicialmente o Ministério Público Federal, o DNPM e a FATMA vistoriavam a área para ver se as obras de recuperação encontravam-se concluídas, conforme o cronograma. Quando não estivessem adequadamente realizadas as obras, ou se fossem constatados atrasos, o MPF peticionava em Juízo, requerendo aplicação de multa. Realizado o contraditório, não se tomava, contudo, decisão de imediato, mas se designava inspeção judicial sobre a área.
Essa sistemática mostrou-se muito positiva. Ao invés de intermináveis discussões técnicas sobre a adequação das atividades de recuperação, o próprio Juízo ia às áreas, acompanhado do MPF, dos advogados e dos técnicos das partes. Assim, ao contrário de uma mera análise de fotos e de eventuais laudos, tinha-se a exata dimensão do trabalho que estava sendo realizado. Problemas de fácil constatação, como erosão, não-recobrimento dos rejeitos, rejeitos ainda em APP, insuficiência de cobertura vegetal, por exemplo, eram de imediato apontados, não havendo nenhum espaço para tergiversações. E, com os técnicos presentes, desenvolvia-se um rico diálogo sobre a área.
Como resultado dessa forma de proceder, ao final das inspeções, e antes de uma imposição judicial de multa, praticamente em todas as vezes as partes, consensualmente, após o amplo debate realizado, concordavam com a aplicação da multa, inclusive estipulando o valor e os prazos para pagamento, com o que se reduzia a litigiosidade e evitava-se, mais uma vez, a interposição de recursos.
Tal modo de proceder, que gerou o recolhimento de multas que ultrapassaram um milhão de reais, acabou sendo incorporado pelas partes, que, aliás, já se preparavam para as inspeções judiciais que seriam, logo mais a frente, realizadas. Isso contribuiu para que as empresas aproveitassem o período que levava até a realização da inspeção judicial (interstício que se iniciava com a vistoria técnica e que culminava com a manifestação final da empresa) para corrigir e acelerar as obras de recuperação. Portanto, sabendo da inspeção judicial que seria realizada, para ela se preparavam, melhorando os trabalhos sobre as áreas em recuperação.
A presença do Juízo nas áreas também foi, para as empresas, um choque de realidade. Ou seja, não se ficava mais no papel, havendo uma avaliação in loco dos trabalhos realizados, o que diminuía muito o espaço para maquiagem dos trabalhos de recuperação. Isso gerou também, como efeito positivo, uma melhora geral dos trabalhos das empresas, que sabiam que, além de vistoriadas tecnicamente pelo MPF, pelo DNPM e pela FATMA, enfrentariam certamente a visita do Juiz, que percorreria a área, fazendo múltiplos questionamentos sobre os trabalhos.
Ou seja, tal como o MPF, o Juízo, ao lado de estimular amplos espaços de diálogo, adotou uma postura de rigorosa cobrança das empresas em seus trabalhos de recuperação, o que, na prática, só se conseguiria fazer conhecendo as áreas pessoalmente, conhecendo as técnicas de recuperação, os técnicos envolvidos. Não havia como ficar no gabinete: era preciso conhecer, administrar e decidir in loco.
Definição consensual de critério objetivo para gradação de multas
Houve, nessa época, a aplicação de 14 multas decorrentes de inspeções judiciais, multas essas referentes a 20 áreas vistoriadas. Tais multas eram decididas, como dito, sobre as próprias áreas em recuperação. Todas as multas aplicadas, bem como suas decisões, podem ser conferidas no seguinte endereço eletrônico aqui.
A previsão da aplicação de tais multas se encontrava consensualmente estabelecida nos acordos de recuperação, que, na quase totalidade dos casos, previa a aplicação de R$ 10.000,00 por mês por hectare não recuperado, conforme os cronogramas estabelecidos.
A experiência também mostrou haver a necessidade de uma padronização técnica para a aplicação das multas. Com efeito, a imprescindibilidade do desenvolvimento de critérios objetivos para a aplicação dessas multas era algo que se fez sentir. Embora houvesse, nos termos dos acordos homologados judicialmente, a fixação de um valor de multa para os casos de atrasos, a cominação dava-se de forma linear, desconsiderando que tais atrasos se davam, em realidade, de forma diferenciada; vale dizer: em algumas vezes considerável parte dos trabalhos haviam sido realizados; noutras, muito pouco.
Houve ampla discussão no seio do GTA, que, consensualmente, por unanimidade, apresentou os seguintes critérios de gradação das multas, os quais foram adotados e homologados judicialmente:
Concluiu-se que o estabelecimento de um critério objetivo para graduação da multa é importante para premiar os esforços mais intensos e, por outro lado, desestimular a protelação intencional. No entanto, havendo prorrogação do prazo e aplicação de multa graduada, se houver novo atraso a multa seria aplicada integralmente, sem qualquer graduação. A multa também seria calculada levando em conta o tamanho da área que não foi recuperada, quando for possível dividir a área em partes distintas. Propôs-se dividir a recuperação em três fases: FASE 1 – preparação do terreno, inclui remoção e/ou confinamentos dos rejeitos, conformação topográfica/modelagem, construção de taludes, isolamento da área com argila e compactação, quando aplicável; FASE 2 – implantação do sistema de drenagens, que inclui o escoamento de água pluvial e de montante, e construção e correção de solo; FASE 3 – revegetação e introdução da rede piezométrica e outros instrumentos de monitoramento. Concluída a FASE 1, os rejeitos estarão isolados e cessada a drenagem ácida, e será concedido um desconto de 40% da multa. Concluída a FASE 2, a área estará parcialmente protegida contra erosão e com solo preparado para receber a vegetação, e será concedido um desconto de 90%. Concluída a FASE 3, as obras de recuperação estarão concluídas e apta a iniciar a fase de monitoramento. Especificamente para área de APP, propôs-se dividir a recuperação em duas fases: FASE 1 – preparação do terreno, inclui remoção dos rejeitos, conformação topográfica/modelagem, construção de taludes e correção e construção do solo; FASE 2 – revegetação e introdução da rede piezométrica e outros instrumentos de monitoramento. Concluída a FASE 1, será concedido um desconto de 75% da multa. Concluída a FASE 2, as obras de recuperação da APP estarão concluídas e apta a iniciar a fase de monitoramento.
Criação de site referente à ACP do Carvão para ampliação da publicidade e transparência das atividades
Havia grande preocupação em ampliar a publicidade e a transparência das atividades desenvolvidas no âmbito desta ACP do Carvão. Também havia a necessidade de que houvesse um instrumento de convergência para onde todas as informações relevantes da ACP do Carvão e das recuperações ambientais em andamento pudessem migrar.
Desenvolveu-se, para isso, um site (www.jfsc.jus.br/acpdocarvao), no qual se conseguiu uma singular e permanente organização de conteúdos, que, no meio do papel seria impossível de se conceber e impossível de ser acessado pela sociedade. Além de importante para os diversos operadores da ACP do Carvão, a sociedade, de fato, com o site passou a conseguir compreender e acompanhar o que se estava fazendo em prol da recuperação ambiental dos graves passivos ambientais.
Para o site foram múltiplos conteúdos; por exemplo:
i) todos os amplos e complexos relatórios regionais de monitoramento da cobertura do solo, dos recursos hídricos superficiais, dos recursos hídricos subterrâneos, do meio biótico e das bocas de mina abandonadas;
ii) todos os relatórios confeccionados pelas empresas, nos quais, em detalhes, eram trazidos dados sobre os trabalhos de recuperação em andamento;
iii) as principais decisões judiciais tomadas no âmbito da execução;
iv) as manifestações do MPF;
v) tabela com as áreas degradadas, com os cronogramas de recuperação de cada uma delas e com os PRADs referentes às áreas;
vi) um mecanismo processual de acompanhamento de todas as múltiplas ações judiciais que encontram orbitando a ACP do Carvão;
vii) os acordos de recuperação ambiental firmados com as empresas;
viii) estudos diversos desenvolvidos ao longo da ACP do Carvão;
ix) as atas do GTA;
x) as vistorias técnicas realizadas;
xi) as vistorias judiciais realizadas;
xii) notícias sobre o andamento da ACP do Carvão à sociedade.
Ademais, desenvolveu-se, incorporando-se ao site (no ícone, “mapas das áreas”), um sistema de webmapping (sistema ArcGIS), integrando o site da ACP do Carvão com a base de dados da SATC/CTCL (Centro Tecnológico do Carvão Limpo). Com isso, ganhou-se em dinamismo, em acesso à informação, permitindo pesquisas impensáveis com as estruturas de dados estanques existentes. Com efeito, foi criado um novo ambiente virtual em que os mapas passaram a ser ferramentas ágeis para a busca das verdadeiramente milhares de informações (dados) já disponíveis.
Destino dado ao valor arrecadado com as multas
Parte dos valores das multas aplicadas foi direcionado para o financiamento de pesquisas que contribuíssem diretamente para a recuperação ambiental das áreas degradadas pela mineração de carvão, aí compreendidas as áreas de mineração em subsolo, mineração a céu aberto, depósitos de rejeitos, lagoas ácidas, minas abandonadas e os recursos hídricos das bacias hidrográficas dos rios Araranguá, Tubarão e Urussanga.
Os projetos foram selecionados por comissão multipartite composta por representantes das partes, após edital lançado.
Os projetos vencedores foram os seguintes: O uso de gesso agrícola, obtido a partir do tratamento da drenagem ácida de mina, na recuperação de áreas degradadas pela exploração do carvão (que tratava da utilização de um subproduto das estações de tratamento de efluentes como insumo a ser empregado na recuperação das áreas terrestres); Avaliação e monitoramento de mata ciliar implantada segundo os critérios técnicos de recuperação de áreas degradadas após mineração de carvão no Estado de Santa Catarina (que buscava verificar a qualidade da recuperação das APPs conforme os critérios técnicos adotados judicialmente); Samambaia-preta como alternativa sócio-econômica e ambiental para recuperação de áreas degradadas pela mineração do carvão em Santa Catarina (que visava a possibilitar ao proprietário, especialmente àqueles carentes, a utilização econômica das áreas recuperadas, respeitadas as restrições de uso decorrentes da presença de rejeitos recobertos).
Ampliação do acesso da sociedade à informação
Em 2012, deixei de processar a ACP do Carvão. Como próximos passos que já se encontravam traçados, almejava-se ampliar o acesso da sociedade à informação, por via do site da ACP do Carvão, com relação aos seguintes temas: i) construção de uma tabela em que fossem inseridas cópias atualizadas das matrículas do imóveis em que há rejeitos/estéreis selados, com o georreferenciamento das áreas em que estão tais rejeitos/estéreis selados, com plotagem em planta; isso seria de fundamental importância para que se tenha amplo conhecimento, inclusive para as futuras geração, sobre exatamente onde se encontra o material poluente recoberto; ii) construção de uma planilha contendo todas as bocas de mina em recuperação, com a sua localização e com seu PRAD.
Conclusão
O grande desafio da jurisdição ambiental é fazer com que, no plano da realidade, as decisões judiciais sejam efetivadas.
Ao Poder Judiciário cabe transformar em realidade as normas de proteção ambiental, promovendo, às custas do poluidor e, se necessário, contra a sua vontade, a recuperação. Ao Poder Judiciário cumpre acabar com o hiato existente entre ser e dever ser, norma e realidade fenomênica, alterando o meio social em conformidade com os comandos normativos incidentes. De nada adiantam sentenças, votos memoráveis se, na hora da execução dessas medidas, nada é levado a sério, e tudo se perde em fácil retórica.
Como visto, a experiência da ACP do Carvão mostra que, mesmo diante de alta complexidade, é possível levar a efeito execuções ambientais de grande porte; contudo, trata-se de luta que jamais cessa, não havendo espaço para qualquer relaxamento, exigindo-se do Poder Judiciário total dedicação.
É preciso que o Poder Judiciário, em todas as suas instâncias, tenha efetiva consciência de seu importante papel, e vontade para o desenvolvimento de condições para que as execuções ambientais possam atingir suas finalidades, apostando no diálogo e em soluções consensuais, sempre que possível, sem deixar, contudo, quando necessário, de impor com firmeza suas decisões.
Este foi o último post da série “Ação Civil Pública do Carvão”. Fica a esperança de que a experiência da Ação Civil Pública possa vir a contribuir ao aperfeiçoamento da jurisdição ambiental.
Categorias:ambiental
Prezado Dr. Marcelo,
Seu relato é bastante completo e cumpre muito bem a missão de fazer um registro histórico dessa experiência de sucesso numa execução de obrigação de fazer de alta complexidade – possivelmente a mais complexa do Brasil em se tratando de cumprimento de sentença visando à recuperação ambiental.
Eu, que também vivi essa experiência, sou testemunha de que o êxito que alcançamos só foi possível pela sua atuação como juiz do caso, comprometido com a efetividade dos comandos judiciais.
Para ilustrar, permito-me transcrever um trecho de uma decisão judicial que proferiste no Processo de Cumprimento de Sentença nº 2000.72.04.002543-9), nos idos de 2006:
“Ao Poder Judiciário cabe acabar com o hiato existente entre ser e dever ser, norma e realidade fenomênica, alterando o meio social em conformidade com os comandos normativos incidentes. De nada adiantam sentenças, votos memoráveis se, na hora da execução dessas medidas, nada é levado a sério, e tudo se perde em fácil retórica.
Este é o desafio a vencer. Ou as decisões são cumpridas, promovendo-se alterações na realidade sensível, ou a Constituição e todo o Estado de Direito, incluindo o Poder Judiciário, não passam de mera retórica, hábil apenas para preencher páginas de processos sem nenhuma conseqüência para a coletividade”.
Abs.
Darlan Airton Dias
Procurador da Republica
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Caríssimo Dr. Darlan, se algo atingimos, isso se deveu ao seu excelente trabalho, competente e dedicado, uma brilhante atuação, inovadora e firme. Guardarei para sempre na memória essa extraordinária experiência por que passamos.
Fraterno abraço,
Marcelo
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Muito obrigado!
Seu texto, além de bem redigido, conseguiu resumir muito bem a ACP. Me ajudou bastante!
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