Das garantias constitucionais na prisão em flagrante

A ronda dos prisioneiros

A prisão em flagrante situa-se em meio a um regime constitucional rígido e autorizador de automáticas restrições ao princípio constitucional da liberdade de locomoção. Realizada a segregação em determinadas condições de tempo com relação ao fato tido como criminoso, é lícita, se autorizada a tanto pelo legislador infraconstitucional, a prisão em flagrante, não havendo quaisquer considerações concretas sobre cautelaridade ou pré-cautelaridade, que, se analisadas a fundo, nem de perto se constituem em elementos essenciais, mas apenas acidentais da prisão em flagrante.

Em face dessa rigidez de restrição à liberdade de locomoção, por determinação constitucional surge também, de forma contraposta, um regime rígido de controle sobre a restrição operada, que é realizado, em boa parte, por regras constitucionais e, também, por princípios constitucionais outros, de cujas aplicações dá conta o preceito da proporcionalidade.

Com efeito, ao lado do princípio da liberdade de locomoção, diversos princípios outros e regras constitucionais vêm a com ele colaborar, impondo limites à restrição ao princípio constitucional da liberdade de locomoção em curso: não se confundindo com o direito à liberdade de locomoção, garantem que a restrição se dê de certo modo, imbricando-se de tal modo que do respeito deles deriva a legitimidade da restrição à liberdade de locomoção.

Destacam-se como regras e princípios paramétricos para a verificação da constitucionalidade/legalidade da prisão em flagrante as normas dispostas nos incisos XLIX, LXII, LXII e LXIV do artigo 5º da Constituição Federal (CF), bem como as normas dispostas no sistema normativo contido no parágrafo 1o, incisos I, II e III, e no parágrafo 4o do artigo 144 da CF:

Artigo 5º…

XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

Artigo 144…

§ 1º. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II – prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

IV – exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Artigo 5º…

LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.

Artigo 5º…

LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo assegurada a assistência da família e de advogado.

Artigo 5º…

LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.

 

Desses enunciados normativos decorrem diversas regras e princípios:

 

Regra “1”

Se A for preso, A tem o direito em face do Estado de este informar-lhe seus direitos.

 

Regra “2”

Se A for preso, A tem o direito em face do Estado de este informar-lhe a garantia de permanecer calado.

Regra “3”

Se A for preso, A tem o direito em face do Estado de este comunicar imediatamente sua prisão e o local em que se encontre ao juiz competente.

 

Regra “4”

Se A for preso, A tem o direito em face do Estado de este comunicar imediatamente sua prisão e o local em que se encontre à sua família ou à pessoa que indique.

 

Regra “5”

Se A for preso, A tem o direito em face do Estado de este informar-lhe a identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.

Regra “6”

Se A for preso, A tem o direito em face do Estado de ser assistido por advogado.

 

Regra “7”

Se A for preso por decorrência de crime sujeito à competência da Justiça Federal ou das Justiças Estaduais, A tem o direito em face do Estado de ter sua prisão-captura formalizada pelo órgão para tanto com atribuições concedidas pela Constituição.

 

Princípio “1”

Se A for preso, A tem o direito em face do Estado de este assegurar-lhe, na maior medida possível, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, sua integridade física.

 

Princípio “2”

Se A for preso, A tem o direito em face do Estado de este assegurar-lhe, na maior medida possível, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, sua integridade moral.

Princípio “3”

Se A for preso, A tem o direito em face do Estado de este assegurar-lhe, na maior medida possível, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas existentes, a assistência da família.

 

Tais regras e princípios mantêm uma relação de complementação protetiva com o princípio constitucional da liberdade de locomoção: estabelecem posições jurídicas de necessário atendimento, dando forma a restrição de modo a afastar, ou a diminuir, a possibilidade do excesso. Assim como as regras exigirão comportamentos específicos para que seja considerada válida a restrição, os princípios exigirão, na maior medida possível, em face das condições fáticas e jurídicas experimentadas, sejam eleitos comportamentos que cumpram aquilo a que visam otimizar.

Em verdade, tais regras e princípios constitucionais consubstanciam garantias individuais constitucionais: encontram-se dispostas de modo a proteger o direito fundamental, limitando a limitação imposta pelo Estado à liberdade de locomoção na prisão em flagrante, concedendo direitos subjetivos ao preso.

Não pressupõem um ambiente de ilicitude para suas incidências. Todavia, marcam, em si, a licitude da restrição operada sobre o princípio constitucional da liberdade de locomoção, estabelecendo, ainda, meios para o controle e para a contenção da restrição. Assim, não estabelecem meios judiciais específicos a serem empregados contra o Estado para defender a liberdade de locomoção em casos de ilicitude na restrição (em favor do que a Constituição instituiu, por excelência, o habeas corpus – artigo 5º, inciso LXVIII, da CF). De forma ímpar, trata-se de garantias que foram desenhadas para, nas hipóteses de prisão, semearem formas de proteção da liberdade restringida, constituindo procedimentos a cujo atendimento se vincula o Estado e instituindo mecanismos de controle da atividade estatal, estabelecendo um circuito protetivo do direito fundamental à liberdade de locomoção: ao mesmo tempo em que direcionam a forma como a restrição poderá ser operada e possibilitam um múltiplo controle da atividade estatal, expõe a segregação de modo a permitir o emprego, ainda, de outras garantias, tais como de meios judiciais.

 



Categorias:direitos humanos, processo penal

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