Cooperação jurídica e policial com os países fronteiriços do Brasil: o protagonismo do Ministério Público Federal na era Janot

A cooperação jurídica e policial internacional é imprescindível para o combate à macrocriminalidade doméstica, transnacional e internacional, tendo o Brasil, na última década em especial, dela se valido para o desenvolvimento de diversas atividades de persecução penal, e por ela possibilitando a vários países, também, múltiplas atividades de investigação e processamento de ilícitos criminais em suas jurisdições nacionais.

No caso da operação Lava-Jato brasileira, por exemplo, considerando apenas o que concerne à cooperação realizada por intermédio do Pedido Brasileiro 01/2014 perante a Suíça, envolvendo o réu colaborador Paulo Roberto da Costa, mais de 1.000 contas bancárias mantidas naquele país vieram a ser objeto de investigação (porque receptoras de valores decorrentes de corrupção), tendo havido o bloqueio de aproximadamente 1 bilhão de dólares, dos quais 250 milhões de dólares já foram repatriados, segundo dados da Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal (ARAS, 2017). Tais provas colhidas geraram, por sua vez, repercussão em cadeia nas investigações e nos processos criminais da operação Lava-Jato, no Brasil e no mundo, influenciando, por exemplo, na disposição de empresários e diretores da Empreiteira Odebrecht na decisão de realizarem colaborações premiadas, que desnudaram a endêmica criminalidade política e empresarial brasileira, com informações e provas nunca antes atingidas. Para se ter uma dimensão da cooperação internacional jurídica e policial no caso da operação Lava-Jato, com o Brasil estão cooperando (e o Brasil, por seu turno, cooperando com) os seguintes países:

Lava-Jato pelo MundoFonte: Secretaria de Cooperação Jurídica do Ministério Público Federal (ARAS, 2017)

Como exemplo recente de cooperação internacional jurídica e policial, destaque-se, no último dia 29 de maio, o desencadeamento da operação Burnout, direcionada ao combate de organização criminosa que praticava tráfico de drogas e lavagem de dinheiro no Brasil e na Europa, tendo Brasil e Suíça desenvolvido, simultaneamente, nesse dia, ações coordenadas de busca e apreensão em ambos países (no Brasil, em Brasília e no Rio de Janeiro); nessa oportunidade, o Brasil empregou, pela primeira vez, a prática da técnica de investigação denominada ação controlada (prevista na Convenção de Palermo contra o crime organizado e, também, da Lei de Combate à Organização Criminosas – Lei 12.850/2013) como medida de cooperação em favor de outro país, por via da qual se pôde delimitar os fluxos financeiros no Brasil e identificar pessoas envolvidas na investigada organização criminosa transnacional[i].

O caso Cunha (Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados) é exemplo recente não apenas de cooperação jurídica internacional com a Suíça, mas de verdadeira mudança de paradigma, pois que as investigações levadas a efeito na Suíça foram transferidas integralmente para as autoridades brasileiras, com o que se possibilitou o processamento de Eduardo Cunha e sua condenação pela 13ª Vara Federal de Curitiba, em sentença proferida no dia 30.03.2017, a 15 anos e 04 meses de reclusão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas[ii].

Ainda a título ilustrativo, o primeiro caso judicial brasileiro envolvendo terrorismo diante da Lei 13.260/2016, a operação Hashtag, teve suas provas iniciais provenientes de cooperação jurídica e policial com os Estados Unidos em maio de 2016 (investigação incialmente realizada pelo Federal Bureau of Investigation – FBI), provas estas nas quais parte das acusações se sustentaram e as quais permitiram a prolação de sentença condenatória pela 14ª Vara Federal de Curitiba em 04.05.2017[iii].

A cooperação jurídica internacional, em matéria penal, no Brasil, tem como um atuante protagonista, desde de outubro de 2005 (Portaria Conjunta nº 1, de 27 de outubro de 2005, entre o Ministério da Justiça, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República), o Ministério Público Federal, a quem cabe, exclusivamente, apresentar perante a Justiça Federal todos e quaisquer pedidos de cooperação internacional direta[iv] provenientes de qualquer país (cooperação passiva), constituindo-se no órgão fundamental para o efetivo êxito dos pedidos de cooperação, seja na defesa de mérito que faz perante o Poder Judiciário brasileiro desses pedidos, seja na articulação institucional que realiza com vistas ao cumprimento técnico das medidas administrativas e judicias decorrentes; com o tempo, passou o Ministério Público Federal a ter, como decorrência de sua atuação, a primazia da interlocução do Brasil com os órgãos de investigação e de persecução de outros países, que a ele passaram a acorrer com vistas a mais ampla possível cooperação. Dessas relações internacionais travadas pelo Ministério Público Federal com seus congêneres, abriram-se canais de comunicação e de diálogo que se mostraram também valiosos para os pedidos de cooperação ativa internacional provenientes de suas investigações e ações penais domésticas, cooperação ativa esta que tem se intensificado em quantidade e em qualidade, como se pode observar dos recentes exemplos antes listados. Mas não somente: nos seus pedidos ativos perante a comunidade internacional, o próprio Ministério Público Federal tratou de consistentemente desenvolver diretas relações de comunicação com os órgãos estrangeiros homólogos.

Neste post, almeja-se apresentar, em seus aspectos gerais, a estratégia de cooperação jurídica e policial do Ministério Público Federal, na era Rodrigo Janot (Procurador-Geral da República de 2013 até 2017) , no que tange aos países com os quais o Brasil mantém fronteiras, seguindo-se a análise de duas dessas medidas, ambas de grande relevância, capazes de se tornarem realidade no curto prazo, no combate à criminalidade transnacional: as equipes de investigação conjunta (Joint Investigation Teams) e o mandado Mercosul de captura. Por fim, destaca-se a decisão da Procuradoria-Geral da República de defender a formalização de acordo do Brasil com a EUROJUST – European Union’s Judicial Cooperation Unit, bem como o ingresso do Brasil na Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal (Conselho da Europa, 1959) e seus dois protocolos (de 1978 e de 2011), apoiando-se, para tanto, não apenas, mas também do fato de o Brasil fazer fronteira com a França (Guiana).

I – Estratégias do Ministério Público Federal para a cooperação jurídica e policial internacional com os países fronteiriços do Brasil

O Brasil possui uma grande fronteira terrestre com 10 países da América do Sul, atingindo 15.719Km, tendo, em zona de fronteira[i], 1.717 de seus municípios situados (FURQUIM JUNIOR, 2007); por suas dimensões continentais, pela intensa criminalidade transfronteiriça, pela constante movimentação lícita e ilícita de pessoas e de bens, pelos severos déficits e ineficiências institucionais no controle das fronteiras, desde sempre mostrou-se imprescindível o estreitamento das relações de cooperação jurídica e policial internacional do Brasil com seus vizinhos, com o desenvolvimento de específicos mecanismos de integração, seja em nível processual, seja em nível investigatório.

Em larga medida atualmente, a propulsão à modernização dos mecanismos de cooperação jurídica e policial visando ao combate à criminalidade transfronteiriça, no caso brasileiro, provinham dos trabalhos, estudos e esforços protagonizados pelo Ministério Público Federal, que, com a reestruturação de sua Secretaria de Cooperação Internacional, se intensificaram a partir do ano de 2014, com resultados concretos nos anos de 2015 e seguintes.

Em agosto de 2015, pela Moção de Pontaporã[ii], representantes dos Ministérios Públicos do Brasil e do Paraguai, juntamente com representantes do Poder Judiciário desses países, propugnaram pela criação de um marco para a cooperação jurídica e policial de fronteira no âmbito da Reunião Especializada de Ministérios Públicos do Mercosul (REMPM).

Logo na sequência, em novembro de 2015, em face de proposição do Brasil, de fato criou-se, no âmbito da REMPM, o Grupo de Trabalho em Cooperação Jurídica nas Fronteiras, integrado pelas Procuradorias do Brasil, Uruguai, Chile, Paraguai e Argentina, com a coordenação da Procuradoria-Geral da República brasileira.

Recentemente, em maio de 2017, no âmbito da 26ª Sessão da Comissão para a Prevenção do Crime e Justiça Penal, em Viena, no âmbito da Organização das Nações Unidas, os Ministérios Públicos do Mercosul propuseram a modernização e a simplificação dos pedidos de cooperação jurídica em áreas de fronteiras.

No entanto, a estratégia do Ministério Público Federal para modernização da cooperação jurídica e policial vai além das relações havidas no âmbito do Mercosul, visando, em realidade, ao desenvolvimento de mecanismos de cooperação com todos os países com os quais o Brasil faz fronteira, assim sendo apresentada pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot ao Itamaraty (Ofício GAB/PGR nº 1.005/2016, de 3.11.2016):

I – SEGMENTO DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

  1. Regulamentação das equipes conjuntas de investigação e persecução (ECIP) no Brasil. Além disso, sugere-se a promulgação do Acordo de Buenos Aires de 2010 sobre as ECIP no Mercosul, após assinatura e ratificação.
  2. Aprovação de lei e de tratados regionais para cooperação direta em casos de urgência e para possibilitar a remessa direta de atos de comunicação processual em regiões de fronteira.
  3. Viabilização da transferência direta ou simplificada de presos, de processos penais em zonas de fronteira e da livre circulação de decisões judiciais, notadamente em áreas conurbadas e cidades gêmeas.
  4. Dispensa de tradução do português ao espanhol, e vice-versa, nos pedidos de cooperação jurídica em regiões fronteiriças, modelo já implementado, por exemplo, entre Espanha e Portugal desde 1997 e que já existe em alguns tratados setoriais do Mercosul.
  5. Promulgação do Acordo de Foz do Iguaçu de 2010 que cria o Mandado Mercosul de Captura (MMC) e ampliação desse modelo de entrega (extradição simplificada) na América do Sul.
  6. Formalização de Acordo do Brasil com a Eurojust para ampliação da cooperação entre o país e esse organismo da União Europeia, para ampliar a eficiência na luta contra o tráfico de drogas, o tráfico de armas, o tráfico humano e a lavagem de dinheiro. Um dos focos é a fronteira com a França, a maior mantida por esse país europeu com qualquer outro. Tal fronteira é situada numa região de intensa atividade ilícita.
  7. Ingresso do Brasil na Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal (Conselho da Europa, 1959) e seus dois protocolos, assim como na Convenção Europeia sobre Transferência de Condenados, medidas que melhorariam o marco jurídico de cooperação com a França (Guiana Francesa), assim como com dezenas de outros Estados Partes.

II  – SEGMENTO DA COOPERAÇÃO POLICIAL E DE SEGURANÇA PÚBLICA

  1. Negociação de tratado regional que permita a perseguição transfronteiriça (hot pursuit) em situações de flagrante.
  2. Negociação de tratado regional que permita a vigilância policial (campana) transfronteiriça.
  3. Criação de centros integrados de inteligência de segurança pública e Justiça em zonas de fronteira, tais como Foz do Iguaçu, Ponta Porã, Tabatinga, Oiapoque, Santana do Livramento, etc. Serviria como modelo o Protocolo Adicional ao Acordo de Parceria e Cooperação entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Francesa com vistas à criação de um Centro de Cooperação Policial, firmado em Brasília, em 7 de setembro de 2009, promulgado pelo Decreto 8.344/2014.
  4. Retomar as atividades da Estratégia Nacional de Segurança nas Fronteiras (ENAFRON), e inserir os Ministérios Públicos dos Estados, o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público Militar na Estratégia.
  5. Promover a atualização e operação do Sistema de Intercâmbio de Informação de Segurança do Mercosul (SISME).
  6. Criação da Polícia Nacional de Imigração e Fronteiras, com competência de policiamento ostensivo e ciclo completo, para prevenção e investigação.
  7. Atribuição de competência à Receita Federal para investigação penal de crimes aduaneiros, a fim de ampliar a capacidade de reação do Estado diante do crime.

A proposta do Ministério Público Federal, no plano internacional e nacional, alcançava, assim, na era Janot, bem mais do que o desenvolvimento de mecanismos de cooperação jurídica e policial com os países do Mercosul e com seus demais países vizinhos: dirigia-se também ao ingresso do Brasil no sistema de cooperação europeu, seja no âmbito da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal (Conselho da Europa, 1959) e seus dois protocolos (de 1978 e de 2011), seja no âmbito da EUROJUST, o que significaria não apenas um incremento considerável de qualidade nos assuntos de cooperação judicial e policial com a França (Guiana), mas também com todos os demais signatários desses tratados.

II – Equipes de investigação conjunta e mandado Mercosul de captura

No âmbito do Mercosul, em seu plano doméstico, dois objetivos estratégicos factíveis em curto prazo apresentados pelo Ministério Público Federal, de grande repercussão, se apresentavam para o Brasil: a internalização do Acordo quadro de cooperação entre os Estados partes do Mercosul e Estados Associados para a criação de equipes conjuntas de investigação”, celebrado em 02.08.2010, em Buenos Aires; e a internalização do Acordo sobre Mandado Mercosul de Captura e Procedimentos de Entrega entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados, celebrado em 16.12.2010, em Foz do Iguaçu.

O desenvolvimento de investigações conjuntas, com a possibilidade, ainda, do cumprimento de mandados de prisão preventiva decorrentes dessas investigações em todas as jurisdições nacionais afetadas, mostra-se de significativa importância para o dinâmico enfrentamento da criminalidade transfronteiriça, cabendo citar, como exemplo, a grande relevância que teriam trabalhos conjuntos de investigação dos órgãos de persecução do Brasil e do Paraguai em temas como: i) o descaminho e o contrabando – no caso brasileiro, tais espécies de delito teriam causado, no ano de 2016, prejuízos de R$ 130 bilhões de reais à economia brasileira[iii]; ii) o tráfico de drogas – grande parte da produção de maconha no Paraguai (estimada em 6.000 hectares em 2014 – UNODC, 2016) é enviada para o mercado brasileiro, havendo-se, aqui, ainda, de se considerar os efeitos positivos que decorreriam desse enfrentamento transnacional na diminuição da criminalidade violenta doméstica, uma vez que, hoje, já é plausível assumir que o tráfico de drogas é um dos elementos criminógenos desencadeadores de crimes de violência contra a vida no Brasil, v.g.: homicídios perpetrados entre e intra facções criminosas, homicídios vinculados à criminalidade patrimonial visando à obtenção de financiamento para as atividades de tráfico, homicídios decorrentes de ações antijurídicas estatais (em 2014, 59.627 pessoas sofreram homicídio no Brasil, uma taxa de 29,1 mortes por 100 mil habitantes – IPEA, 2016).

No que concerne às equipes de investigação conjunta (Joint Investigation Teams), o Brasil já possui, em nível legal, para os casos de tráfico internacional de pessoas, previsão normativa desta modalidade de colaboração internacional de investigadores no artigo 5º, inciso III, da Lei 13.344/2016; ademais, já se encontram internalizadas normas que permitem investigações conjuntas envolvendo os crimes especificados nas Convenções de Viena de 1988 (contra o tráfico de drogas), de Palermo de 2000 (contra o crime organizado transnacional) e de Mérida de 2003 (contra a corrupção). Contudo, no âmbito do Mercosul, apenas há em funcionamento a equipe de investigação conjunta Condor, mantida entre o Ministério Público Federal e o Ministério Público da Argentina, destinada a investigar crimes cometidos pelas ditaduras militares dos dois países. No mais, mesmo diante dos problemas crônicos provenientes da criminalidade organizada transfronteiriça, não existem em operação equipes de investigação conjunta, que, espera-se, com a internalização do Acordo de Buenos Aires, possam se tornar instrumentos de utilização cotidiana para o enfrentamento não só do contrabando, do descaminho e do tráfico de drogas, como já assinalado, mas também do tráfico de armas, do tráfico de pessoas, do terrorismo, com o consequente desenvolvimento de atividades coordenadas de apuração e de processamento de ilícitos criminais.

Por sua vez, o mandado Mercosul de captura (MCC), mandado regional visando à realização de prisões preventivas por intermédio de cooperação jurídica direta, já se encontra em procedimento de internalização no Congresso Nacional (Projeto de Decreto Legislativo 339/2016), cujo funcionamento aproximar-se-á do European Arrest Warrant[iv] (ARAS, 2015), utilizando-se, para tanto, o MCC, do Sistema de Intercâmbio de Informações de Segurança do Mercosul (SISME), sistema esse ainda a ser implementado, e do sistema de difusões vermelhas da Organização Internacional de Polícia Criminal (INTERPOL). O MCC traz para a cooperação jurídica internacional uma mudança de paradigma, deixando-se o campo da extradição (procedimento complexo e moroso, sujeito a juízo político) para se inserir em um procedimento estritamente judicial, sem fase política, baseado no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais (princípio este reconhecido pelo Conselho Europeu de Tampere de 1999, especificamente utilizado como base jurídica para a construção do próprio European Arrest Warrant)[v].

A possibilidade de utilização do MCC será vital para o próprio funcionamento das equipes de investigação conjunta, permitindo que suas operações possam valer-se, se necessário, do instrumento da prisão preventiva, medida esta que se mostra estratégica para combate à criminalidade, seja porque obsta a reiteração delitiva, seja porque garante o desenvolvimento da própria persecução penal, bem como a aplicação da sanção penal. O sistema baseado em pedidos de extradição, em larga medida, não permite o funcionamento adequado dos mecanismos modernos de investigação, havendo, no caso brasileiro, um fracionamento das atividades judiciais, em parte desenvolvidas pelo Supremo Tribunal Federal (a análise do pedido de extradição em si) e em parte desenvolvida pela Justiça Federal (perante quem transitam as medidas de investigação sujeitas a controle judicial, como interceptação telefônica e telemática, busca e apreensão, ação controlada).

III – Ingresso na Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal e na EUROJUST

Já ingressaram na Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo de 1959, e seus protocolos, como não-membros, o Chile (ratificação em 30.05.2011[vi]), Israel (ratificação em 31.08.2016[vii]) e a Coréia do Sul (ratificação em 29.09.2011). No quadro do Conselho da Europa, o Brasil apenas faz parte da Convenção de Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, ratificada pelo Brasil em 1º.06.2016[viii]. Por seu turno, a EUROJUST, conforme a decisão do Conselho da União Europeia 2002/187/JHA, considerações 21 e 22, artigo 2º, 2.7, artigo 26a, 27a, 27b, tem dentre seus objetivos a cooperação com Estados não-membros, havendo, aliás, específica previsão de que sejam firmados Acordos de Colaboração com Estados não-membros – artigo 27b, 2[ix]. A EUROJUST já possui acordos de colaboração, dentre outros, com os Estados Unidos e a Suíça[x].

A integração do Brasil a tais sistemas de cooperação internacional jurídica e policial uniformizaria procedimentos e coordenaria os esforços europeus e brasileiros de combate à criminalidade transnacional que atinge concomitantemente ambos, facilitando o cumprimento de pedidos e decisões judiciais, possibilitando equipes de investigação conjunta e gerando foros de intercâmbio de informações estratégicas em áreas relacionadas, por exemplo, ao tráfico internacional de drogas (com especial destaque ao tráfico de cocaína para a Espanha, Portugal, Alemanha, Guiana Francesa), crimes ambientais e garimpo ilegal (Guiana Francesa), tráfico de pessoas (Portugal e Espanha), corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas (como mostrou a operação Lava-Jato).

O sistema europeu é consideravelmente marcado pela cooperação direta, fortemente estruturado na colaboração entre órgãos de persecução penal, entre órgãos judiciários e no reconhecimento mútuo das decisões judiciais. Em si, o ingresso do Brasil em tais sistemas traz possibilidades positivas de spillover em todo o sistema de justiça criminal brasileiro, inclusive para as relações de cooperação internacional do Brasil com o Mercosul e demais países fronteiriços, de modo a que não seja excepcional, mas cotidiana a prática da cooperação internacional jurídica e policial. Ademais, tal ingresso possibilitaria acesso a conhecimentos e a outras formas de investigação, que, adaptadas à realidade fática da macrocriminalidade brasileira, trariam possíveis efeitos na diminuição da criminalidade doméstica.

Conclusão

O Ministério Público Federal apresentava ao Brasil, na era Rodrigo Janot, um projeto abrangente de modernização da cooperação jurídica e policial transfronteiriça, dotado de 14 medidas, relacionando o Mercosul, os demais países que fazem fronteiras com o Brasil e a Europa. Neste post, foram destacados as equipes de investigação conjunta (Joint Investigation Teams) e o mandado Mercosul de captura, bem como as propostas de formalização de acordo do Brasil com a EUROJUST e seu ingresso na Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal (Conselho da Europa, 1959) e seus dois protocolos (de 1978 e de 2011), todas medidas com efeitos positivos ao enfrentamento da macrocriminalidade transnacional, que abala países e seus povos nas suas atividades cotidianas.

Compreender os caminhos concretos por que passava cooperação internacional jurídica penal e policial, seus projetos e suas tendências, no caso brasileiro, pressupunha atenção à atuação do Ministério Público Federal e às políticas estratégicas da Procuradoria-Geral da República, que, se necessitam agir em coordenação com o Poder Executivo, dele são independentes (artigo 128, parágrafo 5º, da Constituição).

O Ministério Público Federal assumira amplos espaços de interlocução, coordenação e de ação com seus homólogos estrangeiros, com especial destaque não apenas aos casos de cooperação direta solicitada por outros países, mas também em seus próprios pedidos de cooperação internacional, com relação aos quais vinha empreendendo articulação direta com autoridades estrangeiras visando a alcançar efetividade em seus pleitos, como claramente se pode verificar na operação Lava-Jato.

Espera-se que a Procuradoria-Geral da República, agora sob a administração de Raquel Dodge, dê prosseguimento ao importante protagonismo que vinha assumindo o Ministério Público Federal na cooperação jurídica e policial com os países fronteiriços do Brasil.

Referências bibliográficas

ARAS, Vladimir. Ordens regionais de detenção e entrega. 2015. Disponível em https://vladimiraras.blog/2015/08/24/ordens-regionais-de-detencao-e-entrega/, acessado em 24.09.2017.

_____. Fundamentos Constitucionais da Cooperação Internacional e a Prova Ilícita. Apresentação realizada na Escola da Magistratura Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 09.05.2017.

FURQUIM JUNIOR, Laercio. Fronteiras Terrestres e Marítimas do Brasil: um Contorno Dinâmico. Dissertação de Mestrado, São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007.

Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA). Atlas da Violência 2016. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160322_nt_17_atlas_da_violencia_2016_finalizado.pdf, acessado em 24.09.2017.

United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC). World Drug Report 2016. Disponível em:  https://www.unodc.org/doc/wdr2016/WORLD_DRUG_REPORT_2016_web.pdf, acessado em 24.09.2017.

[i] A faixa de fronteira é de 150Km, sujeitando-se a especial disciplina legal em face de sua posição geográfica com vistas à defesa do território nacional, nos termos do artigo 20, parágrafo 2º, da Constituição.

[ii] Confira-se http://www.prms.mpf.mp.br/servicos/sala-de-imprensa/noticias/2015/08/Ponta%20Pora-%20Mocao.pdf, acessado em 24.09.2017.

[iii] Segundo dados da Frente Parlamentar Mista de Combate ao Contrabando e à Falsificação e o Movimento Nacional em Defesa do Mercado Legal Brasileiro ao lançarem, no dia 29.03.2017, em parceria com o Ministério da Justiça, a campanha “O Brasil que nós queremos” (http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-03/entidades-denunciam-que-contrabando-da-prejuizo-de-r-130-bilhoes-ao-brasil, acessado em 24.09.2017)

[iv] Sobre o European Arrest Warrant, sua estruturação normativa encontra-se na Council Framework Decision 2002/584 on the European Arrest Warrant and the Surrender Procedures between Member States, de 13 de junho de 2002, disponível em http://www.refworld.org/docid/3ddcfc495.html, acessado em 24.09.2017.

[v] As Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de outubro de 1999, estão disponíveis em http://www.europarl.europa.eu/summits/tam_pt.htm, acessado em 24.09.2017.

[vi] Dados disponíveis em https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/-/conventions/treaty/country/CHI?p_auth=c7koOozH, acessado em 24.09.2017.

[vii] Dados disponíveis em https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/-/conventions/treaty/country/ISR?p_auth=c7koOozH, acessado em 24.09.2017.

[viii] Dados disponíveis em https://www.coe.int/en/web/conventions/full-list/-/conventions/treaty/country/BRA?p_auth=c7koOozH, acessado em 24.09.2017.

[ix] Disponível em http://www.eurojust.europa.eu/doclibrary/Eurojust-framework/ejdecision/Eurojust%20Decision%20(Council%20Decision%202002-187-JHA)/Eurojust-Council-Decision-2002-187-JHA-EN.pdf, acessado em 24.09.2017.

[x] Disponível em http://www.eurojust.europa.eu/about/legal-framework/Pages/eurojust-legal-framework.aspx, acessado em 24.09.2017.

[i] Para mais detalhes, confira-se http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/sci/noticias/noticias-1-1/brasil-e-suica-realizam-operacao-conjunta-contra-trafico-de-drogas-e-lavagem-de-dinheiro, acessado em 24.09.2017.

[ii] Ação Penal nº 5051606-23.2016.4.04.7000/PR, disponível em http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&txtPalavraGerada=Wmep&hdnRefId=ad87a64999f3259b6fad522b3603afb6&selForma=NU&txtValor=50516062320164047000&chkMostrarBaixados=&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrigem=PR&sistema=&codigoparte=&txtChave=&paginaSubmeteuPesquisa=letras, acessado em 24.09.2017.

[iii] Ação Penal nº 5046863-67.2016.4.04.7000/PR, disponível em http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&txtPalavraGerada=NFWo&hdnRefId=ea7624864e639274a6ec8ef673a4d60b&selForma=NU&txtValor=50468636720164047000&chkMostrarBaixados=&todasfases=&todosvalores=&todaspartes=&txtDataFase=&selOrigem=PR&sistema=&codigoparte=&txtChave=&paginaSubmeteuPesquisa=letras, acessado em 24.09.2017.

[iv] Acerca da cooperação jurídica direta (que, à diferença do já antigo sistema das cartas rogatórias, dirigida à especifica relação entre os Poderes Judiciários de diferentes países, apresenta muito maior dinamicidade), decidiu o Superior Tribunal de Justiça: “Preocupados com o fenômeno da criminalidade organizada e transnacional, a comunidade das Nações e os Organismos Internacionais aprovaram e estão executando, nos últimos anos medidas de cooperação mútua para a prevenção, a investigação e a punição efetiva de delitos dessa espécie, o que tem como pressuposto essencial e básico um sistema eficiente de comunicação, de troca de informações, de compartilhamento de provas e de tomada de decisões e de execução de medidas preventivas, investigatórias, instrutórias ou acautelatórias, de natureza extrajudicial. O sistema de cooperação, estabelecido em acordos internacionais bilaterais e plurilaterais, não exclui, evidentemente, as relações que se estabelecem entre os órgãos judiciários, pelo regime das cartas precatórias, em processos já submetidos à esfera jurisdicional. Mas, além delas, engloba outras muitas providências, afetas, no âmbito interno de cada Estado, não ao Poder Judiciário, mas a autoridades policiais ou do Ministério Público, vinculadas ao Poder Executivo… Caso a medida solicitada dependa, segundo o direito interno, de prévia autorização judicial, cabe aos agentes competentes do Estado requerido atuar judicialmente visando a obtê-la. Para esse efeito, tem significativa importância, no Brasil, o papel do Ministério Público Federal [esfera penal] e da Advocacia Geral da União [esfera não-penal], órgãos com capacidade postulatória para requerer, perante o Judiciário, essas especiais medidas de cooperação jurídica… Não são inconstitucionais as cláusulas dos tratados e convenções sobre cooperação jurídica internacional (v.g. art. 46 da Convenção de Mérida – “Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção” e art. 18 da Convenção de Palermo – “Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional”) que estabelecem formas de cooperação entre autoridades vinculadas ao Poder Executivo, encarregadas da prevenção ou da investigação penal, no exercício das suas funções típicas. A norma constitucional do art. 105, I, i, não instituiu o monopólio universal do STJ de intermediar essas relações. A competência ali estabelecida – de conceder exequatur a cartas rogatórias -, diz respeito, exclusivamente, a relações entre os órgãos do Poder Judiciário, não impedindo nem sendo incompatível com as outras formas de cooperação jurídica previstas nas referidas fontes normativas internacionais”. (Rcl 2.645/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 18/11/2009, DJe 16/12/2009)



Categorias:cooperação jurídica internacional, política, processo penal

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