Da execução provisória: cumprimento da antecipação de tutela.
Como visto, concomitantemente ao julgamento em primeiro grau de jurisdição, foi deferida antecipação de tutela para o fim de que, uma vez apresentados projetos de recuperação da região em um prazo de 06 meses, nos seguintes 03 anos deveriam estar concluídos os trabalhos de recuperação.
Formou-se, para cumprir tal objetivo, o procedimento de execução provisória 2000.72.04.002543-9.
Primeira fase da execução: das dificuldades enfrentadas para conhecer o objeto da execução e de como realizá-la.
Na primeira fase da execução, que vai do fim de 2000 até o ano de 2004, contudo, muito pouco se avançou.
Houve, naquela época, quem cogitasse que a sentença, diante de sua generalidade, seria inexeqüível, o que, se viu após, se mostrava uma afirmação incorreta. Em realidade, diante da extrema complexidade da recuperação que estava em jogo, que haveria de se fazer em larga escala, a sentença jamais poderia, ou mesmo conseguiria, trazer as definições e as diretrizes necessárias à sua concreta execução. Em realidade, posteriormente veio a se tornar um consenso entre os participantes da ACP do Carvão de que, em verdade, a sentença fora sábia por definir, apenas em planos gerais, os deveres de recuperação, deixando para a fase de execução a missão complexa de dar efetividade ao julgado. Hoje, sem dúvida se pode afirmar que a sentença não teria como ir além do que foi, tendo se mostrado absolutamente acertada a estratégia adotada pelo juiz então sentenciante, já que, naquela época, na prática, ninguém sabia (nem mesmo as empresas) como de fato a recuperação ambiental deveria, tecnicamente, ser realizada.
Mas, logo no início da execução, pode-se dizer que, diante da complexidade do caso, do pouco conhecimento que se detinha sobre diversos temas técnicos, da ausência de interesse por parte das rés em, efetivamente, cumprirem o julgado, da hercúlea tarefa que se tinha a fazer, pouco se conseguira avançar; muitos fatores contribuíram para tanto:
a) não se conhecia significativa parcela das áreas a recuperar;
b) não havia um procedimento técnico definido de recuperação a ser adotado para os diferentes casos de degradação gerados;
c) não havia padronização dos projetos de recuperação de área degradada (PRADs);
d) não havia o estabelecimento de meios de fiscalização das recuperações que eram devidas pelas rés;
e) não havia métodos de organização dos dados disponíveis e hábeis a permitir a consulta imediata a todos os envolvidos;
f) havia a apresentação, por parte das rés, de uma quantidade enorme de informações, de cunho essencialmente bibliográfico e com praticamente nenhuma repercussão prática para a recuperação, que aparentemente visavam, em última instância, a obstruir a própria execução;
g) as rés manifestavam-se no sentido de que nenhuma recuperação poderia ser realizada se não houvesse, previamente, o desenvolvimento de uma infinidade de estudos, sem, contudo, trazerem quaisquer específicas demonstrações de quais seriam esses estudos a serem realizados e quais os prazos a que se submeteriam para conclusão;
h) as rés não se comprometiam com prazos para as recuperações;
i) as rés tampouco se comprometiam com o aporte de recursos para as atividades de recuperação, sugerindo que haveria uma solução “política” para o caso; vale dizer, afirmavam que ingressariam recursos federais para a realização das recuperações devidas;
j) o conceito de recuperação então trazido para o Juízo era demasiadamente amplo, abarcando uma solução global para toda a região, nisso incluindo aspectos que iam muito além da lide (zoneamento, habitação, transporte, educação, saúde, agricultura e recuperação econômica); ou seja, a abordagem apresentada levava à absoluta inexequibilidade da decisão judicial;
k) o Ministério Público Federal não possuía, à época, uma estratégia de atuação definida, tampouco técnicos hábeis a sustentar o trabalho dos Procuradores em Juízo;
l) o Ministério Público Federal também não tinha a dimensão do que haveria de se fazer para recuperar as áreas degradadas;
m) o Juízo não possuía base de sustentação para, concretamente, determinar as recuperações que eram devidas, máxime diante da complexidade da demanda (que envolvia conhecimentos de geologia, biologia, engenharia de minas, engenharia ambiental, engenharia civil, química, por exemplo), do burocrático formato de execução adotado por regra pelo Poder Judiciário e da própria morosidade ínsita a um processo com múltiplos réus.
Segunda fase da execução: a reorganização da execução
A segunda fase de execução, que vai de 2004 a 2005, caracteriza-se pela reorganização por que passa a própria atuação do Ministério Público Federal, o que foi imprescindível para pavimentar o caminho que se seguiu até o início da colheita de resultados concretos de recuperação ambiental. Tal fase é marcada pela Informação Técnica 03/2006, de lavra de técnicos do próprio Ministério Público Federal, do Ministério do Meio Ambiente e do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a qual sustentou a atuação ministerial que se seguiu.
O trabalho realizado, de grande qualidade técnica, procedeu à exauriente análise documental e a vistorias de campo, debruçando-se sobre as propostas de recuperação ambiental apresentadas pelas rés. Tal estudo pode ser conferido na íntegra aqui.
Analisando tudo o que havia sido trazido pelas rés aos autos, tal estudo trouxe as seguintes conclusões sobre os documentos apresentados, que consumiam milhares de páginas:
(a) Não apresentam diagnóstico ambiental, abrangendo os meios físico, biótico e antrópico. Quando existente, o diagnóstico abrange com certo detalhe o meio físico, sendo bastante genérico quanto ao meio biótico (fauna e flora) e completamente excludente no que tange ao meio antrópico;
(b) Não abordam a identificação, caracterização e análise dos impactos ambientais instalados. Do ponto de vista técnico não é possível se elaborar uma proposta técnica de recuperação ambiental de determinada área, sem se avaliar os danos ambientais impostos ao ecossistema;
(c) Não apresentam um cronograma das atividades propostas. Geralmente quando apresentados, esses cronogramas estão incompletos;
(d) Em sua totalidade não apresentam uma planilha de custos, com o respectivo cronograma de desembolso;
(e) Não se configuram como um documento técnico consistente. Na grande maioria dos documentos, embora a apresentação gráfica seja de bom nível, falta conteúdo técnico. Constata-se a ausência de informações básicas, quanto às dimensões da área de lavra, da área a ser recuperada e da área que não será abrangida pela proposta apresentada. Há com freqüência casos onde não é indicado o uso futuro da área, o que não contribui para a definição do tipo de recuperação ambiental. Geralmente são deficientes e alguns são repetitivos (as cópias mudam apenas o nome da mineração e a localização), formando uma coletânea de informações pouco concatenadas. Alguns documentos apresentam grandes logotipos, poucas palavras por páginas (às vezes apenas uma dezena de palavras) talvez para dar maior volume à proposta, muitas fotografias coloridas – mas sem legendas ou com legendas pouco explicativas ou sem orientação de localização, perdendo assim a validade técnica;
(f) Não há informações relativas ao eventual tratamento, caso esteja previsto, das águas que percolam pelo(s) depósito(s) de rejeitos, contidas nos depósitos e nas bacias de decantação, não identificando adequadamente as fontes de contaminação, nem propondo medidas mitigatórias ou corretivas, visando-se o atendimento às normas legais vigentes;
(g) Não há caracterização geotécnica (composição mineral, morfometria mineral, com ênfase na granulometria, porosidade e permeabilidade) do material a ser utilizado na impermeabilização. As argilas que deveriam ser utilizadas, são, por motivos puramente econômicos, substituídas por material argilo-arenoso (tipo piçarra), que é permeável. Muitas vezes os documentos destacam apenas a espessura da camada que vai ser colocada, o que não tem significado prático, se o material não é adequado;
(h) Não foi abordada, caso haja risco potencial, a possibilidade de ocorrência de combustão espontânea, principalmente nos depósitos de rejeitos mais novos, devido ser a reação da pirita exotérmica (desprende calor) e haver a presença de fragmentos de carvão nos depósitos de rejeito;
(i) Há uma falta de precisão técnica nos documentos, quando se referem aos solos que serão colocados na recuperação ambiental. Em novas áreas os solos que são retirados e estocados para um futuro aproveitamento não são mais semelhantes aos originais, pois, por terem sido removidos, tiveram alterados os valores de porosidade e permeabilidade, assim como seu conteúdo biológico, devendo ser tratados como solos construídos;
(j) Não há propostas de atividades de monitoramento, com ênfase no monitoramento dos recursos hídricos. Sem o monitoramento ambiental não é tecnicamente possível se avaliar a efetividade da recuperação ambiental;
(k) Em casos frequentes, as propostas técnicas, como, por exemplo, de deposição de rejeitos e de lançamento de efluentes nas drenagens, não atendem a conceitos técnicos estabelecidos. Essas práticas ambientais incorretas são menos onerosas, mas são também menos eficientes;
(l) Do ponto de vista regional (Bacia Carbonífera Sul Catarinense) não foram contemplados os itens assinalados no PROVIDA-SC, no que diz respeito às atividades de mineração.
Ou seja, praticamente toda a documentação apresentada pelas rés era inútil para qualquer fim concreto de recuperação ambiental.
Desse estudo decorreu uma primeira e óbvia conclusão: havia a imprescindibilidade de padronização de todos os projetos, relatórios, monitoramentos e estudos a serem apresentados pelas rés em Juízo, de modo a forçá-las a produzirem trabalhos úteis e comprometidos concretamente com a recuperação ambiental. Também se viu que o trabalho técnico desenvolvido pelas empresas era, por regra, de má qualidade, com praticamente nenhum compromisso com a concreta recuperação ambiental.
Tal estudo, ademais, trouxe diversas sugestões a serem empregadas para o cumprimento do julgado, que vieram a ser úteis logo a seguir, tais como:
SUGESTÕES
O QUE FAZER
A CURTO PRAZO
(a) Preparação individual (por empresa ré na Ação Civil Pública), para a FATMA e DNPM, no prazo máximo de 4 (quatro) meses, de um Projeto de Recuperação das Áreas Degradadas pela Mineração (Passivo Ambiental), com base no modelo de PRAD apresentado no Anexo 4, com ênfase nos recursos hídricos, contendo:
- Um projeto de desassoreamento e de disposição do material dragado dos trechos dos cursos d’água impactados na bacia hidrográfica onde a sua área esteja inserida, no trecho sob sua responsabilidade, com cronograma físico e orçamentário de execução;
- Um projeto de retirada dos depósitos de rejeitos e de estéreis das Áreas de Preservação Permanente (APPs) dos trechos dos cursos d’água impactados, com a modelagem do novo acondicionamento dos referidos depósitos, dentro dos devidos parâmetros geotécnicos de impermeabilização, com cronograma físico/orçamentário de execução;
- Um projeto de fechamento (selagem) das bocas de minas abandonadas, que estão secas, com cronograma físico/orçamentário de execução;
- Um programa de fechamento (selagem) das bocas de minas abandonadas, que vertem água, com um cronograma físico/orçamentário de execução;
- Um projeto de revitalização das Áreas de Preservação Permanente (APPs) dos cursos d’água impactados, com ações para manejo (revegetação) com gramíneas, plantas nativas (podendo haver um percentual de frutíferas), com cronograma físico/orçamentário de execução;
- Um projeto de supressão das lagoas com águas ácidas, nas áreas impactadas, com cronograma físico/orçamentário de execução;
- Um programa de instalação de estações de tratamento de efluentes líquidos oriundos das regiões impactadas, com cronograma;
- Apresentação, para análise do DNPM e da FATMA, de projetos específicos de monitoramento dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos. Entre outros parâmetros devem ser considerados: pH, turbidez, cor, odor, condutividade elétrica, acidez total, sólidos totais dissolvidos, oxigênio dissolvido, demanda biológica de oxigênio DBO, demanda química de oxigênio DQO, fosfato total, nitrogênio, sulfetos e metais (Cd, Pb, Cr, Cu, Zn, Fe, Mn);
(b) Continuação das tratativas para a efetivação de um “seguro ambiental” ou ação similar, como uma forma de garantia para a recuperação ambiental de áreas degradadas pela mineração.
A CURTO E MÉDIO PRAZOS
(a) Para as minas em atividade: aperfeiçoamento e adequação dos métodos e das técnicas de mineração, objetivando a minimização dos impactos ambientais, com a concretização das seguintes ações:
- Utilização de circuito fechado para as águas drenadas das minas e da lavagem nas usinas de beneficiamento, com tratamento de efluentes excedentes;
- Construção de bacias de decantação impermeabilizadas;
- Envelopamento (camada impermeável na capa e na lapa) de depósito de rejeitos/estéreis.
A MÉDIO E LONGO PRAZOS
(a) Adoção de recuo dos depósitos de rejeitos e bacias de decantação, em relação à faixa marginal dos rios seguindo o estabelecido no artigo 2º da Lei n.º 4.771, de 15 de setembro de 1965 que institui o Código Florestal;
(b) Reconformação das pilhas de rejeitos, bacias de decantação, áreas mineradas a céu aberto e outras áreas impactadas;
(c) Impermeabilização das áreas impactadas com argila de baixa permeabilidade (~10–7 cm/s) com uma espessura mínima de 20 cm após a compactação;
(d) Realização de recobrimento da camada de argila com uma camada de, no mínimo, 20cm de solo adequado para o plantio, e revegetação com espécies adequadas a essa camada, de modo a se diminuir o risco de erosão;
(e) Execução de dispositivos de drenagem superficial de modo a se conduzir a água pluvial para fora da área impactada e minimizar a erosão da área;
(f) Construção de valetas de drenagem da água de percolação ao redor dos depósitos para condução à estação de tratamento;
(g) Construção e operação de estações de tratamento de água.Concomitantemente a essas medidas, outras poderão ser propostas e implementadas pelos empreendedores, assim como poderão ser realizados estudos de modo a se otimizar o ganho de recuperação ambiental aliados a uma redução de custos de operação das áreas impactadas.
Tal estudo representou um divisor de águas para a atuação de todos os participantes da ACP do Carvão, trazendo concreta análise do que fora feito, da situação da degradação ambiental e dos caminhos que poderiam ser trilhados.
Na terceira fase da execução, a ser apresentada no próximo post, foi possível e passou-se à adoção de medidas concretas de alteração da realidade. Como veremos, das perguntas e dos obstáculos que tínhamos a superar, descritos neste post, é que provieram as próprias bases para avançar.
Categorias:ambiental
Muito legal, vou repassar para meus alunos do curso de mineração. Parabéns e obrigado por distribuir essas informações.
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Caro José, eu que agradeço pelo compartilhamento da informação. Abraço
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