Rastreamento digital em tempos de pandemia I

Para enfrentar a pandemia de coronavírus neste momento, ausentes vacina ou tratamentos cientificamente comprovados, empregam-se medidas clássicas de controle de epidemias, tais como isolamento, distanciamento social, quarentena, medidas de higiene e, com possibilidades tecnológicas impressionantes, rastreamento dos contatos sociais daquelas pessoas infectadas ou suspeitas de assim se encontrarem, objetivando-se interromper a cadeia de transmissão.

Conforme narra o artigo publicado na Revista Science Quantifying SARS-Cov2 transmission suggests control with digital contact tracing, de 31 de março, a utilização de Apps em telefones celulares para rastreamento social e notificação imediata da confirmação da infecção foi medida adotada na China. Embora não obrigatória, a utilização de Apps tornou-se compulsória para a locomoção e o uso de transporte coletivo. Um algoritmo (de inteligência artificial), analisando uma ampla base de dados – colhidos de todos, informava o usuário sobre restrições à sua locomoção. Aqueles que tivessem tido contato com uma pessoa infectada, como desconhecidos em um trem, recebiam notificações de quais medidas adotar (quarentena ou distanciamento social, por exemplo), com a imposição, se fosse o caso, de submissão à testagem.

As razões a favor da utilização de tais Apps falam por si, provindo da necessidade de administração e controle da epidemia, protegendo o sistema de saúde pública e vidas.

Há, contudo, significativos riscos decorrentes da utilização de tais ferramentas, que podem abrir espaços para a realização de atividades de vigilância, estatais ou não, que não digam respeito – ou se limitem, à proteção da saúde pública. Momentos emergenciais exigem medidas emergenciais, o que nada altera a imprescindibilidade de que sejam lícitas.

Assim, salvaguardas importantes poderiam e precisariam ser empregadas concomitantemente à adoção de tais Apps de rastreamento digital, que, considerando a qualidade acadêmica e as possibilidades institucionais de que dispomos, não seriam apenas exigíveis, mas também plenamente realizáveis.

Como condição sine qua non para a própria existência do sistema, seria imperiosa a efetiva proteção dos dados obtidos, bem como uma cuidadosa fiscalização sobre sua utilização.

Também seria preciso que tais ferramentas de rastreamento digital fossem normativamente reguladas, com a clara enunciação dos princípios que as balizariam.

Ademais, as medidas restritivas que viessem a ser adotadas a partir dos resultados dos algoritmos precisariam atender, com especial ênfase, ao princípio da igualdade, evitando-se, assim, o emprego de critérios proibidos de discriminação de qualquer ordem.

Todo algoritmo empregado em face de terceiros, com a finalidade de restringir ou limitar o exercício de direitos fundamentais, precisa ser transparente, compreensível e auditável pela sociedade, pelo que a existência de um conselho/grupo de fiscalização, composto de forma plúrima e com membros da sociedade civil, seria fundamental.

E, algo que poucas vezes se respeita, aqueles cujos dados seriam repassados precisariam ter a liberdade de adesão, ou não, ao sistema, sendo sobre este previamente informados de seu funcionamento, de seus objetivos e das regras protetivas incidentes.

Em momentos emergenciais, mais se exige do Estado Democrático de Direito e de seus cidadãos e cidadãs, que precisam construir soluções as mais efetivas e rápidas possíveis para o enfrentamento das crises, o que, evidentemente, há se realizar no interior do arcabouço constitucional.



Categorias:algoritmos, direitos humanos, tecnologia

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